MarsMoon Playlist

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Por que a literatura brasileira não é valorizada nem prestigiada como a internacional, e por que o povo não lê tanto quanto deveria?

        Não é de hoje que ouvimos declarações como temos que valorizar a literatura brasileira e o brasileiro só valoriza o que vem de fora.
        Quer dizer, não é tão antigo, mas ainda assim...
        Quando alguém está lendo Crônicas de Gelo e Fogo, Harry Potter, Duna, entre outros, em público, aparece alguém para reclamar do simples fato de que não estão lendo um livro brasileiro, que as obras do autor tal são melhores, que isso é enlatado americano, coisa de gringo...
        Mas já pararam para se perguntarem por que exatamente a literatura brasileira não tem o mesmo prestígio que a internacional, no que causou isso? Ou por que o povo brasileiro não tem o hábito de ler tanto quanto deveria...?
        A resposta mais simples seria de que a culpa é nossa. Desde sempre, toda nossa.



Como se atreve?!!, alguns esbravejam...

Como assim?, outros perguntam...


Bem, é para isso que estou aqui, para trazer um longo momento de reflexão para alguns – e dar motivos para outros xingarem, porque é claro que vão, já estou contando com isso...

Não tem como falar dos problemas com a literatura nacional sem falar do que há de errado com o brasileiro em si, então vamos começar por aí.


Agora, devemos começar?

(só um aviso: usarei exemplos não só de livros, como também de filmes e séries, para tornar a leitura a mais rica possível)



Um Olhar do Paraíso- Em Chamas

Na infância a gente é introduzido a conceitos que usamos para o resto da vida, como interagir socialmente, e, claro, ao hábito de ler livros regularmente...

E é onde começa o primeiro erro, se não a semente de todos os erros.

Quando ainda somos crianças, ainda temos a mente fresca, aberta as possibilidades que o mundo proporciona, e isso inclui os universos vastos que contém nas páginas dos livros, da qual continuamos o hábito de conhecer mundos e personagens, conceitos, mitologias, sistemas mágicos e tudo mais até o fim de nossas vidas.



Dos corredores de Hogwarts ao deserto de Arrakis, dos terrenos da Sword & Cross aos reinos de Westeros... É incrível como um livro e uma mente aberta podem proporcionar emoções que vão do interesse a tensão, da desolação ao alívio sem sair do lugar, apenas exercendo a imaginação com o passar das páginas...

E essa oportunidade é tirada de nós logo quando a gente mais precisa.

Como? Pois bem, como o incentivo à leitura, na grande maioria das vezes, não vem de casa, acaba sendo nas escolas... E a leitura é introduzida lá com livros que limitam a nossa visão aos mundos que nos interessariam em prol de algo que não devia importar.

As escolas têm a audácia de olharem nos olhos de alunos de entre 11 e 14 anos e dizerem que eles têm a obrigação de começarem a conhecer a literatura com Dom Casmurro, Iracema... E depois ficarem poxa, por que a juventude não se interessa pela literatura?



           Deve ser porque, nessa idade, um tweet sobre o BBB é mais fácil de entender do que mais de 250 páginas sobre as paranoias aleatórias de um cara que está achando que está sendo traído, não é, meu filho?!!


São tiradas das crianças a chance de acompanharem um semideus passar de uma criança que derrotou o Minotauro por pura sorte para um adolescente que liderou uma guerra contra o exército de Kronos, para as mesmas passarem eternidades tentando decifrar frases como:

 

Tu hás realizado doravante uma peripécia de natureza ominosa e detestável, portanto eu ei de inclinar-me às bordas da insanidade, da cólera e da exasperação. Pois ei que te digo: eis provocado a minha ira e lançarei mão de minha mansidão e entregar-me-ei às chamas ardentes para que tu desfrutes de tamanha retribuição.



Eu, com 26 anos, já me cansei só de reescrever esse mero trecho acima...

Agora imagina como é para as crianças e pré-adolescentes de colegial que podiam estar devorando Percy Jackson & Os Olimpianos e conversando sobre como o livro é melhor que o filme (e é mesmo), no que a Névoa transformaria as ninfas e as dríades aos olhos de quem não for um semideus... Mas estão tentando decifrar uma frase que literalmente significa você cometeu um erro que me tirou do sério.

É estranho como as pessoas tanto defendem que iniciemos a leitura em tão pouca idade com livros que claramente não nos interessam naquele momento.

É como querer parar um show da Taylor Swift no meio do Wildest Dreams (ou a Paula Fernandes no meio de Traidor) pra tocar a versão original de Dies Irae, gritar valorizem esse clássico, isso sim é música de verdade, seus merdas! e esperar que o público não fique irritado e querendo que você saia do palco e deixe a Taylor/Paula terminar de cantar a música dela.

 

Mas não tem nada a ver, seu vira-lata!!! Meu primeiro livro foi Dom Casmurro quando eu tinha oito anos e foi a melhor coisa da minha vida, então você tem a obrigação moral de


Só cale a boca e me deixe falar!

Uma, duas, cinco, dez exceções não anulam milhões de casos iguais, e o mundo ao nosso redor comprova isso.

Como você mesmo diz, você gostou nessa idade, e está tudo bem. Mas isso não anula o fato de que milhões e milhões de crianças tiveram o primeiro contato com a leitura através desse e outros livros mais ou menos da mesma época, e que foi exatamente por isso que eles criaram toda esse desgosto por livros.

 

Aah, mas você só diz isso porque não entende a beleza das obras de Machado de Assis! Leu errado, precisa ler de novo...!



Está bem, serei bem direto aqui: ler um livro não devia ser como fazer a prova mais difícil da sua vida. Pode até ser mais complicado para entender a mitologia, o sistema mágico, o lore de uma saga, pontas soltas para tentar decifrar enquanto não chega ao desfecho ou à sequência final, isso é sempre bem-vindo...

Mas a partir do momento em que você quer impor que uma turma que não lê algo que não seja mais longo do que tweets e títulos de notícias decifre coisas que já são difíceis até para o adulto só para provar uma lealdade cega a algo que não devia ser importante, você perde o seu argumento. E, por consequência, todos acabam perdendo.

Os autores perdem novos leitores, possíveis leitores perdem a chance de conhecerem mundos fantásticos por causa do trauma de ter que lidar com esse tipo de leitura e de leitores...

E fazendo isso, você não está ajudando ninguém, só atrapalhando as pessoas que estão tentando fazer o que você quer, só que de uma maneira mil vezes melhor e mais atrativa.

E além do mais, existem clássicos muito mais interessantes.

 

Aah, mas antigamente a gente lia esses nas escolas e todos nós amávamos, ent—

 

Você acabou de anular a sua própria questão: antigamente. ANTIGAMENTE as crianças liam isso e amavam. Do mesmo jeito que mais para trás, as crianças não tinham nada além de outros livros mais antigos ainda, que provavelmente VOCÊ considerava chato... Certo?

Então, deixe o passado no passado...!


É hora de deixar as coisas antigas morrerem.

A gente precisa introduzir a leitura na vida das crianças de hoje com livros que elas vão amar, se apaixonar, desejar por mais, depois passar para outros gêneros literários. Comecemos com algo que elas possam entender de primeira em tal idade, com os mais recentes (sagas de dez, vinte, até trinta anos atrás, por exemplo), para depois que crescerem, tiverem uma mente mais evoluída – na medida do possível desse período em que vivemos –, aí sim passar para os tais clássicos, quando já tiverem feito da leitura um hábito diário, um hobby.

 

Nãaao, Rodrigo! Mas o que que é isso?! A gente tem que ensinar a valorizar os clássicos ainda na infância sim...! E se depois elas não quiserem conhecer os clássicos porque estão imersas nesses enlatados gringos? Que horror...!


E achei que as minhas piadas que fossem ruins...

Meu amigo... Tudo bem você amar o clássico nacional, esfregar na cara em slow-motion ao som de Linger, do The Cranberries (ou Mais Uma Vez, do Legião Urbana, caso não queira ser visto como o vira-lata da história) e depois dormir de conchinha, mas não é legal você forçar na criança uma coisa que ela claramente não está pronta para lidar!

E outra: para essas crianças crescerem e, já adultos, preferirem ler Duna, Crônicas Vampirescas, Crônicas de Gelo e Fogo, entre outros, ao invés de darem uma chance para os clássicos que você tanto ama, talvez o problema não esteja exatamente nessas pessoas.

Sabe a frase coisa tal é boa, os fãs que são o problema? Então...

 

E o que acontece? Elas criam uma repulsa intensa pela leitura, e crescem achando que ler é chato, botando a culpa em coisas bestas, como os preços dos livros, ou usando a falta de tempo (que sempre têm de sobra) como desculpa para nunca começarem a desenvolver o hábito de ler livros regularmente, e terão filhos da qual não pegarão o hábito de ler em casa e vão recorrer às escolas, que vão fazê-los passar por esse mesmo processo, e por aí vai.

 

E assim, estamos todos conectados nesse grande Ciclo da Vida.

Acho que o único clássico nacional que talvez daria para recomendar pra ler nas escolas mais ou menos nessa idade seria... A Terra dos Meninos Pelados.

AAH, VOCÊ ESTÁ QUERENDO RECOMENDAR PEDOFILIA GAY PARA AS CRIANÇAS, SEU NOJENTO!!!

Pare. Vai se tratar.

Se acalmem, não é o que estão pensando; respirem fundo, bebam uma água... Tem até gelo, já...

Pronto, agora que já se acalmaram, me deixem explicar:

Lembro de ter lido esse quando eu tinha sete ou oito anos, eu tinha acabado de ler Harry Potter e O Cálice de Fogo e vi esse livreto na prateleira daqui de casa. Como ainda não havia lançado A Ordem da Fênix aqui no Brasil, na época, decidi pegar esse para ler.

Até onde lembro, era sobre um garotinho que era rejeitado por quase todo mundo que o conhecia  por ele ser careca e ter heterocromia (procure saber mais sobre antes de querer tirar conclusões precipitadas), e, para não se sentir mais tão solitário, idealiza todo um mundo na mente dele da qual ele é aceito por todos, já que todos têm as mesmas características que ele. Lembro de ter gostado desse, na época.

(cuidado, a última parte acima pode ser distorcida para ser usada contra mim, futuramente – sabemos como o povo funciona, vamos ficar de olho)


A edição que eu tinha em casa...

Viram? Livro nacional, conheci na idade certa para ter o meu primeiro contato com o mesmo... O problema não está na nacionalidade do livro, mas sim em qual você usa para apresentar a uma criança. Do mesmo jeito que uma criança vai criar desgosto se começar com Duna ou Senhor dos Anéis (guardem os seus me deu sono, eu dormi para quem se quiser saber do seu deboche) nessa idade. São leituras complicadas, nada atrativas para quem está começando agora a conhecer a literatura.

E os leitores precisam desse tipo de escapismo em histórias ainda na infância para depois não virarem adultos viciados em acreditar que histórias só devem ser escapistas, sem nenhuma camada de crítica social, abordagem política, nada – mesmo que as melhores histórias tenham esse fundo mais realista em suas tramas. E, claro, viciadas na própria realidade (mas isso é assunto para lá mais para frente).

E falando em realidade...


 

Histórias Fantásticas e Onde Ocorrem


Agora chegamos na famosa polêmica de se o autor deve ou não escrever um livro se passando em New York, Londres ou Paris ao invés de em Jaraguá do Sul, Montes Claros, Goiânia...

Aliás, até mesmo escrever histórias se passando no Brasil gera uma polêmica desnecessária, porque Deus nos livre de escrever histórias se passando no Rio de Janeiro ou em São Paulo, não é? O país é mais do que isso, dizem pela internet afora...

Sempre que um autor brasileiro decide que a sua história se passará no exterior ou nas cidades mais famosas do brasil, chove uma saraivada de críticas e até ódio genuíno em cima disso porque mas tem que valorizar a cultura do Brasil inteeeiro, falar da Amazônia, das dificuldades do pobre brasileiro, que não sei o que...!

E é aqui que entra outro problema, e que piora a situação da literatura nacional, afetando até o entretenimento como um todo: essa obsessão do brasileiro em querer ser representado a todo custo e a todo momento. Se algo brasileiro ganha um segundo de fama no exterior, o povo já fica obcecado por esse breve momento de atenção, se comove, enaltece como se aquilo fosse a cura para todos os problemas do universo e mais além, fala que aquela coisa está sendo reconhecida, como aquilo deve ser visto como algo perfeito pelo simples fato de vir do Brasil e estar sendo mencionado no exterior...

Lembrando que ainda não estou falando de representatividade, então deixem os cancela ele! para o dia que eu cometer um erro tão grave que precise chegar nesse ponto.


Mas esse dia não é hoje!


(update: publiquei uma matéria sobre inclusão e representatividade na cultura pop chamada Inclusão vs Lacração- A Origem da Polêmica; clique nesse link para lê-lo)

Tudo isso, mesclado com o fato de que boa parte dos livros mais vendidos no Brasil são de autoajuda e biografias de youtubers que claramente não viveram o suficiente para ter toda uma história para contar em um livro faz com que o nosso subconsciente veja não só a literatura, mas a cultura brasileira em geral, mais como um ato de desespero por atenção e aprovação do que de deixar um nome na arte, uma marca na literatura, de forma saudável, da qual será vista e lembrada por milhões nas próximas décadas.


Para verem que não é exagero...

E para finalizar: os autores brasileiros não têm obrigação nenhuma de abordar única e exclusivamente o nosso país só porque nasceram no mesmo.

Aliás, as pessoas não têm que querer ditar o que eles colocam nos livros. Assim como o cinema, a literatura é arte, e a arte não é uma coisa que quem não entende nada do assunto pode simplesmente chegar e ditar como deve ser. Deixem os livros para os autores escreverem em paz, desde que não estejam discriminando algum grupo que esteja realmente sofrendo preconceito, estereotipando e tudo mais, e depois a gente vê se os livros que escreveram ficaram bons ou não.


E falando no assunto...



Esquadrão Wattpad


É isso, vão me cancelar...


Eles estão vindo.

Mas antes, mantenham a mente aberta e tentem entender o que estou querendo dizer.

Wattpad chegou como uma ferramenta útil, que dá visibilidade para autores que não têm condições de fazer uma publicação oficial de seus livros, ou que queira dar um gostinho do mesmo enquanto suas obras não são publicadas em editoras sérias devido ao excesso de obras que recebem todo dia...

Mas é aí que mora parte do problema.

Na publicação tradicional tem aquele filtro, em que o editor, o editor-chefe e até o revisor avaliam a história, a trama, personagens, tudo, para ver se o livro é apto para ser publicado, certo? Então, nesse meio, pouquíssimos livros realmente ruins acabam passando batido para serem publicados oficialmente, o que torna o mercado literário até que variável e de maioria decente, fazendo a diversidade literária se destacar em vários pontos...

Já no Wattpad não. Lá, o que começou como um ótimo auxílio para potenciais best-sellers, virou uma Terra de Ninguém, onde publicam o que quiserem, sem uma revisão adequada, um leitor beta que realmente entenda do assunto e possa ajudar na qualidade da escrita, filtro editorial, nada... E isso acabou mostrando uns pontos bem preocupantes sobre a sociedade em geral: boa parte dos autores de Wattpad parecem só escreverem sobre relacionamentos abusivos sendo abordados como um simples amor dolorido. Direto.

Mostra que muitos só veem amor em abuso emocional e psicológico (até físico, dependendo da história) e expressam isso sem o menor cuidado e planejamento em seus livros como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Os que não sabem dar profundidade aos personagens ou para a trama são os de menos; histórias mais rasas podem ser boas se forem bem feitas.

Quer dizer, há histórias realmente boas postadas lá, mas acabam não tendo a mesma visibilidade que as da Geração Cinquenta Tons de Crepúsculo. E isso pode acabar dando a impressão, para quem já pegou desgosto pela leitura, de que a literatura é uma baderna, que qualquer um pode chegar e escrever qualquer coisa sem o menor cuidado, que vai poder ser lido por todo mundo. E isso afasta possíveis novos leitores mais ainda.

Consigo contar nos dedos de uma mão quantas histórias realmente boas foram publicadas exclusivamente por lá.

 

Cheguei a ler um texto, da qual agora não lembro bem onde vi, que falava exatamente isso, sobre como histórias boas não ganham muito destaque no Wattpad, enquanto histórias de relacionamentos abusivos, às vezes até de extremos (escritos, em alguns casos, por PRÉ-ADOLESCENTES), com mais erros de digitação que uma conversa do Orkut/MSN de meados dos anos 2000 ganham uma fama absurda.

Parece que o Wattpad, que começou com boas intenções, de ajudar autores com menos condições a realizarem os seus sonhos, acabou se tornando um lugar que as pessoas expõem como as suas mentes funcionam, cenários de mundos perfeitos que transbordam nas mentes de quem escreve e se misturam pelo mundo afora como diários. É quase como se as editoras fossem os terapeutas e o Wattpad o coach quântico da literatura.

Sério, boa parte dos autores que postam esse tipo de história lá estão precisando de terapia urgente. Para ontem. Ou talvez só uma orientação básica mesmo, dependendo.

 

Aah, nada a ver, você falar isso! Eu tenho condição de publicar em uma editora tradicional, mas preferi no Wattpad mesmo, que não quer que eu mude nada no que fiz! Se fui eu que escrevi e acho que está perfeito, então está perfeito sim!!! Minha opinião!!!



...editoras filtram livros aptos para publicação por uma razão. Eles não são o inimigo; o ego e a falta de autocrítica e cuidado de muitos autores por aí sim.

Para finalizar: não estou falando que ninguém pode postar nada on-line nem que o Wattpad é menos importante por não ser uma editora formal, mas sim que se for escrever para publicação independente, faça direito; que devemos ter cuidado em como abordamos certos temas em livros, para a literatura não deixar de ser levada a sério. E se for o caso, pergunte para quem entenda do assunto, procure saber das coisas antes de falar sobre, para não acabar prejudicando ninguém. Não é cagar regra, é ter bom senso e noção.



Histórias Fantásticas e Os Crimes da Sociedade


Bem, agora chegamos as consequências que a literatura sofre nas mãos da sociedade depois de tudo que abordei até aqui:

E o que tudo que falei causa, exatamente?

Lembra de quando falei sobre as crianças precisarem ler livros agradáveis para não se tornarem adultos viciados na própria realidade? Então... Esse tipo de raciocínio sai da literatura e é passado para outras partes da cultura (e da vida também, mas aí é tema para uma outra matéria que tenho em mente para o futuro) como um todo, criando todo um público que reclama quando um filme, série tem uma abordagem um pouco mais imprevisível ou realista no plot ou nos arcos de personagens, dependendo; que dão chiliques e ameaçam parar de acompanhar uma história se personagem A ou B morrer (ou querem que ressuscitem do nada porque eu quero!) e se o casalzinho que eles shippam não ficar junto, que resmunga quando uma saga não para toda a premissa que prometeu no início para focar 100% em um romance entre dois personagens só porque colocaram na cabeça que eles têm que ficar juntos, mesmo que não tenha nenhuma relevância ou coerência para o plot como um todo... Que se entopem de ódio quando uma história não é todinha do jeito que querem, e depois reclamam do mesmo jeito quando a sequência da mesma faz tudo exatamente como queriam, ao invés de perceberem que o que eles querem muito raramente é o que a história precisa...

Lembrando que, da última vez que ouviram um público que teve essas reações, o final de uma saga de 42 anos foi estragada em prol de shipps e clichês que tanto pedem para depois reclamarem sobre... E antes disso, um filme foi todo refeito nos moldes do que o público queria porque o anterior era sombrio demais, uma das sequências foi mutilada para se adequar, de novo, às vontades do público, e levou quase três anos de campanha para finalmente termos a chance de ver o potencial que o mesmo tem a oferecer. E, claro, não era a nossa primeira vez nisso, pois nunca aprendemos. Até porque um dos maiores desafios da humanidade é saber sobre um assunto o suficiente para achar que está certo, mas não para saber que está errado, e estamos longe de superar isso...

Tirar a oportunidade de dar asas à imaginação de alguém enquanto a mente ainda está fértil debilita não só a pessoa, como também a sociedade em geral.

Pois essa falta de uma leitura agradável na infância torna o público tão quebrado que, na fase adulta, eles mesmos não percebem que, em boa parte das vezes, não tem nada de errado nas histórias que acompanham; só na percepção deles sobre como as mesmas devem ser feitas. A falta dessa dose de liberdade individual na infância cria uma obsessão por controle na fase adulta. E, por muitas vezes, o entretenimento em geral acaba sendo afetado por isso, como os exemplos que usei ao longo dessa matéria.

Aliás, só o impacto negativo que isso tem na sociedade em si afetam tantos aspectos que dá para fazer uma matéria inteira só falando nisso...

E mesmo que possam começar a ler, o trauma de terem sido obrigados a decifrar enigmas impossíveis em forma de livros quando não estavam prontos para isso os mantém afastados de vez disso.

 

Aah, mas livro é muito caro...!

 

Lançamentos de livros sempre custaram mais ou menos 40 reais. Mas existem sebos que vendem edições usadas por menos da metade disso, livrarias e lojas têm períodos de desconto todo ano, você com certeza tem amigos que leem e que podem estar dispostos a te emprestar algum livro interessante para começar, você pode, em parcelas, comprar um Kindle, onde dá para comprar livros digitais por até 15 reais, entope a memória com mais de mil livros para ler sem encher a prateleira (nada substitui uma parede com prateleiras cheias de livros, mas um Kindle, em questões como essa, acaba sendo muito útil)... Oportunidades para começar não faltam.

 

Aah, mas não tenho tempo para ler...!

 

Sim, você tem. Todos têm um tempinho livre no dia a dia. Você tem duas horas de almoço no trabalho para ler um capítulo enquanto se alimenta e descansa, dá para ler mais um durante a locomoção trabalho/casa e vice-versa, se puder... Nos finais de semana e nas folgas, você tira uma hora ou duas para ler mais capítulos...

Mesma coisa com faculdade, estágio, etc. Aproveita um tempo livre ou dois para ler mais um pouco.

Se ir lendo de pouco a pouco todo dia, dependendo do livro, você termina em até um mês, mais ou menos. E aí vai conseguindo ler cada vez mais rápido, a ponto de, na mesma rotina, estar lendo um livro por semana, até.

 

Aah, não gostei desse, é difícil, não estou conseguindo acompanhar a história...!

 

Não tem problema, tenta outro. Procura um mais curto, mais simples, até achar um que goste e te faça engatar de vez na leitura.

Agora, se conseguirmos fazer um ou outro começar a ler livros depois de adulto, é ótimo... Mas só a curto prazo. A longo prazo, ainda estão fazendo crianças se submeterem a livros da qual elas não estão prontas para ler, fazendo a gente ter que usar esses métodos; estamos apenas remediando os sintomas, mas não a doença.

E é aí que voltamos à questão do incentivo à leitura...



A Emancipação Fantabulosa da Literatura


Acho que não tem mais o que dizer sobre, então...

A literatura nacional tem salvação? Bem... Sim... Mas não para agora.


Espere aí. Essa operação toda foi ideia sua.

Eu sei, vou chegar lá.

Depois que tudo que falei, vemos que, convenhamos, a nossa geração está quebrada demais, culturalmente falando, para podermos nos adequar de vez às soluções definitivas para que o hábito de leitura se torne uma parte fixa de nossa cultura, tão natural quanto um Avatar dobrando os quatro elementos. Há coisas que não se resolvem da noite para o dia – pensem nisso quando forem olhar para os seus próprios problemas.

Mas podemos plantar hoje as sementes que, futuramente, farão com que as próximas gerações possam desfrutar do que deixamos, pois devemos preparar o mundo para quem virá depois, não para nós mesmos – de uns anos para cá, vemos exatamente no que isso se resulta.

 

Comecemos pelas escolas: deixem. Os clássicos. Para depois!

Os professores podem escolher três livros, escrever no quadro sobre o que cada um se trata e deixar que os próprios alunos escolham qual eles querem fazer um trabalho/resumo sobre – mas que eles vão realmente gostar; não vão escolher entre os que levam um parágrafo inteiro sem necessidade para narrar algo que pode ser feito em duas linhas.

Se eu pudesse recomendar algo para as crianças lerem nas escolas... A trilogia Fronteiras do Universo é perfeita para isso.

Tem uma protagonista criança bem escrita, toda uma mitologia empolgante, uma premissa maravilhosa, vilões muito bem feitos (pois uma história só é tão boa quanto o vilão, se errar nisso, nada resolve – faz de novo, faz direito), o desenrolar da trama é instigante, tem obstáculos para a protagonista Lyra superar que não subestimam a inteligência do leitor (mas também não o trata como se tivesse nascido em 1800)...

Aliás, a trilogia está sendo muito bem adaptada para a série His Dark Materials, respeitando o tom e o conteúdo dos livros, e ainda trazendo elementos novos só para a adaptação que não deturpam a obra original (assista o trailer aqui).

E ainda tem um urso polar que fala e usa armadura 😍!!! Difícil não se empolgar com uma coisa dessas!

Com essa, as crianças vão poder ler, realmente amar e, de brinde, desenvolvem pensamento crítico, com a abordagens que essa história tem com um assunto ou dois. Afinal, é o básico para se tornarem adultos responsáveis no futuro, certo?

(e o fato de você, nesse momento, estar bufando só em imaginar isso acontecendo mostra o quanto estamos realmente quebrados, passando para frente a tal obsessão por controle que falei há uns parágrafos como se fosse uma necessidade)

E O Pequeno Príncipe. Aí está um clássico para apresentar ainda na infância, caso o título do que falei anteriormente ainda te deixar receoso.

E aí, no ensino médio, passar para livros um pouco mais maduros, como O Diário de Anne Frank, A Traição de Natalie Hargrove, O Cavaleiro dos Sete Reinos, etc...

 

Aah, mas você não está recomendando nenhum livro nacional!!! CADÊ OS LIVROS BRASILEIROS NAS SUAS RECOMENDAÇÕES, HEIN?!! VOCÊ TEM QUE VALORIZ—


Mantenha as suas emoções sob controle!

Vamos relembrar duas coisas que falei parágrafos atrás:

Primeiramente, a nacionalidade dos livros não importa, o importante é que sejam interessantes o suficiente para que façam crianças e adolescentes se apaixonarem pelo hábito de ler e aí sim passarem para os clássicos por conta própria...

E segundo, essa obsessão em querer ser representado a todo custo só por ser brasileiro... Precisa acabar. Chega. Para. Isso afasta as pessoas de se interessarem por nossas obras, pois a gente sente o desespero nas pessoas.

Sabe quando você está perdido em uma rua a noite e pergunta para alguém onde fica certo lugar, esse alguém diz que também está indo para lá e que vocês podem ir juntos, mas você nota um tom de ansiedade nessa oferta que te deixa com uma sensação ruim, um receio de continuar perto dele?

Exatamente, essa lógica também pode se aplicar a isso. Ninguém vai ler o seu livro se você ficar olha, é brasileiro, hein!; o seu desespero em ser representado só por ser brasileiro deixa um gosto ruim na boca de quem podia ser o seu público frequente.

Conquiste-os pelas suas obras serem boas. Ponto. Você não é o Príncipe Zuko da primeira temporada para ser tão obcecado em uma honra que só existe em sua mente.

Precisam abandonar essa necessidade por atenção e aprovação, sair desse relacionamento abusivo que têm com vocês mesmos, de clamar por melhoras e depois se sabotar e culpar os outros pela situação não ter melhorado.

É um caminho tortuoso, ser escritor no Brasil? Sim, claro, ainda vivencio o quão difícil isso é... Mas agir no desespero não resolve nada. Foque nas soluções, que um dia as falhas se perderão no tempo, como lágrimas na chuva.

Já sobre os clássicos nacionais, deixem esse para serem obrigatórios só nas faculdades mesmo, e, claro, disponíveis por aí para quem quiser ler. Só, de novo, não forcem em crianças que depois vão ficar com raiva de livros (e de você) por conta disso.

Enquanto na literatura nacional em si, nós, autores, podemos começar a focar em escrever e publicar histórias que sejam realmente instigantes e menos em agir como os War Boys de Mad Max- Estrada da Fúria para promovê-las; tentem se inspirar em obras um pouco mais recentes e que sejam realmente atraentes ao público atual (desde que não sejam aquelas modinhas passageiras da qual darão vergonha anos depois), para que os nossos livros de hoje se tornem os clássicos de amanhã.

E vamos parar com esse papo de síndrome de vira-lata! Está tudo bem aceitar que há falhas da nossa cultura e que podemos nos inspirar em outras culturas incríveis para melhorarmos a nossa própria. Enfim, não vou entrar nesse assunto, de tão irrelevante que isso é.

Como falei antes, não dá para resolver os problemas da literatura sem também resolver os do povo brasileiro como um todo... Quer dizer, se não estivermos dispostos a melhorar isso, nada mais vai melhorar, mas isso já é assunto para outra hora...

Vamos fazer a nossa parte para que a leitura se torne um hábito no Brasil, trazendo melhoras à sociedade como um todo. Combinado? Então está bem...!


Ótimo. Então é um encontro.

Aí estão as minhas redes sociais, caso queiram deixar o seu elogio, sua crítica, enfim:

Instagram: @rodrick.marsmoon

Twitter: @RodrickMarsMoon

 

Obrigado por virem ao meu TED Talk. Até mais.




domingo, 20 de setembro de 2020

Inclusão vs Lacração- A Origem da Polêmica

Aah, merda, lá vamos nós de novo.

              Sim, eu sei, polêmico... Mas antes que decidam me cancelar, só prestem atenção.
            Uma vez, Jordan Peele disse que não escreve histórias com protagonistas brancos não porque tem algo contra, mas sim porque, por melhor que a escrita seja, dão a impressão de que já foram feitas antes.
              De certa forma, é verdade.
              Em boa parte das vezes, um autor cansou de ver o mesmo tipo de história com os mesmos tipos de personagens, quer inovar... O que não é ruim... Tem uma boa ideia... Até que tropeça feio, tropeça rude na parte da escrita, planejamento e desenvolvimento.
       Quer dizer, milênios de histórias semelhantes, e aí começam a pensar e se eu fizer uma protagonista feminina?, que tal um protagonista negro?, um herói LGBT, talvez?, etc.
              A ideia em si é ótima; a execução das mesmas que é o problema.
            Vejamos, em uma história, o/a protagonista começa como alguém que está por baixo, que tem um objetivo, se esforça para se superar cada vez mais, leva tapa na cara, mas isso o/a fortalece, motiva a seguir em frente mesmo que o mundo negue o seu potencial... E aí ele (a) derrota o vilão, cumpre o seu objetivo (nem sempre do jeito que imaginava antes), e termina satisfeito consigo mesmo, mesmo que tenha perdido algo ou alguém da qual valorizava muito, voltando para casa (ou não, dependendo da história) como uma pessoa diferente de quando tinha saído. O importante é que os personagens passem por alguma mudança interior significativa entre o começo e o fim da trama – e que tudo seja coerente, claro.
            Pode haver umas mudanças aqui e ali, mas a linha geral é a mesma, a chamada Jornada do Herói que o Joseph Campbell criou. Pode não ser muito original, mas com um bom planejamento, você pode inovar essa narrativa de forma satisfatória.
             E parece que a mensagem não é muito bem passada para certos autores.
            Querem criar uma história com um protagonista que saia do tradicional homem branco e hétero sem entenderem o que faz essas histórias serem elogiadas: o esforço que eles passam, o dilema querer vs precisar, os obstáculos...
          E essas coisas são jogadas fora em prol de personagens Mary Sue/Gary Stu, de protagonistas porcamente escritos sem o menor cuidado, pois os autores e roteiristas ficam na esperança de que as histórias vão se salvar sozinhas só porque os protagonistas são diferentes. O que não é o caso.
             Um ótimo exemplo de uma personagem feminina muito bem escrita:


Sarah Connor, da franquia O Exterminador do Futuro

As três versões da personagem, tanto nos filmes em que ela aparece quanto na série The Sarah Connor Chronicles, são escritas com maestria.

A Sarah é abordada como essa mãe que mata e morre pelo filho, que sacrificaria o que tivesse para que o John viva para liderar a Resistência contra a Skynet, como ele sempre foi predestinado a ser, e, desde o primeiro filme, mesmo que ela tenha sido a donzela em perigo nesse, ela ainda se esforçava para passar por cada obstáculo, esteve em várias situações que teria a matado se não tivesse pensado rápido, e tudo mais.

Ela nunca derrotou um Exterminador com dois socos/tiros e uma frase de efeito forçada; ela atirava para matar, e quando via que não dava certo, passava por cada situação que beirava ao extremo até chegar na solução e pronto, salvava o filho e a si própria...

Para o próximo filme fazer a mesma coisa, só que ruim, mas aí é história pra outra matéria – ou para o próximo reboot, porque vocês quase nunca dão uma chance para franquias novas, fazendo Hollywood espremer franquias já finalizadas com sequências, spin-offs e filmes solo desnecessários.

            Está bem, tem alguns que são necessários, mas vocês entenderam.

Aah, então você está dizendo que uma personagem feminina só é considerada bem escrita se for masculinizada ou uma mãe se dedicando ao filho? É isso?!!


Já acabou?

Calma, já vou chegar lá…!

Agora, um exemplo de personagem feminina que não perde a delicadeza perante ao que vem pela frente...

 

Vejam a minha heroína favorita:


Sonhadora

Uma repórter trans que segue o legado da mãe em ter o poder de sonhar com o futuro em forma de metáforas e simbolismos, que é passado de mãe para filha, o que a chocou, pois ela nunca tinha imaginado que esse poder reconhecia mulheres trans como possíveis herdeiras.

Enquanto ela expandia esse poder para, simplificando, canalizar a energia dos sonhos pelos pulsos e soltar pelas mãos como ondas de choque e cordas, aprendia a se projetar psiquicamente para outros lugares, e, claro, aprender a lutar em combates físicos com um bastão, ela se torna a Sonhadora.

E tudo o que falei não faz jus ao que acompanho em tela há quase dois anos, até agora; é incrível.

E o fato de a Nia/Sonhadora ser trans nunca a definiu como personagem, pois é o que ela faz que a define. A ação é o personagem.

Por que ela é tão incrível? Porque vemos ela passar por obstáculos emocionais, morais, físicos, se esforçar para passar por tudo, encarar o problema de frente mesmo que, por várias vezes, a sorte não esteja a favor dela, superar e viver para batalhar por mais um dia. Vimos ela começar o primeiro dia como repórter, descobrir sobre o poder que a escolheu, recusar esse poder, de início, do amadorismo com o mesmo até conseguir controlar – e tudo isso sem perder o afeto e o carinho que sente pelos amigos e família, nem deixar de ser uma mulher sensível e alegre.

Sabe quantas vezes o fato de ela ser trans é mencionado na história dela? Lembrando agora, só duas.

Uma quando a irmã da Nia ficou indignada pelo poder tê-la escolhido e gritou você nem é uma mulher de verdade!; outra quando, em um episódio, um vilão espancou uma amiga dela, também trans, e ameaçou atacar mais para cada vez que a Sonhadora aparecesse em público se ela não deixasse de ser uma heroína porque, resumindo as palavras dele, heróis deviam ser honestos, e você está aí, enganando os outros para acharem que você é essa vizinha bonitinha, mentindo sobre quem realmente é; você não devia ser um exemplo!, e isso a coloca no dilema de se ela deve passar dos limites ou não para impedir que mais uma tragédia aconteça – sempre o melhor arco de personagem, seja em livros ou filmes, séries, entre outros; ajuda os personagens a evoluírem e se transformarem do começo para o fim.

E, claro, ela é maravilhosamente interpretada pela atriz Nicole Maines, da qual eu adoraria poder conhecer pessoalmente, um dia.

 

E, abaixo, um exemplo de como abordar preconceito em uma história de forma orgânica, sem forçar a barra nem nada assim, de quando a Nia descobriu que a amiga dela foi atacada por esse vilão, demonstrando total indignação e se sentindo vulnerável pelo o que aconteceu, em uma única fala (o único momento sombrio da personagem até agora):



Ele quer que eu pare de ser uma heroína. Ele está caçando a minha comunidade para me forçar a isso. Não dá para só capturá-lo ou redimi-lo. Não há um discurso de esperança que possa melhorar isso.

 

Olha, a minha comunidade é vulnerável. Isso acontece mais do que você poderia saber. E há caras exatamente como esse canalha lá fora que querem nos machucar.

 

Eles querem que a gente se esconda, que tenhamos medo de ser quem somos. Eles querem que a gente desapareça, e isso acontece todo dia. E não somos lá uma prioridade para a polícia.

 

Então, confie em mim quando digo que sou a única protegendo essa comunidade. E agora esse canalha vai atrás deles, tentar me apagar?


...e agora, chegamos ao exemplo de uma personagem feminina mal escrita: Rey Palpati-


Oops, Rey Skywalker (sério, Kathleen Kennedy?)

Ela até começou bem, mostrando ter uma vida difícil em Jakku como catadora de lixo, trocando peças de naves da época do Império por comida, sabia lutar para sobreviver desde que foi trocada pelos pais por bebida quando ainda era criancinha... Até que, do nada, aos 17 anos, ela demonstra ter total controle de habilidades da Força que já foi estabelecido em seis filmes anteriores que tem que ser treinado desde os quatro, cinco anos para conseguir, fazia coisas dignas de Mestres Jedi da época das Guerras Clônicas, e ainda derrota o aprendiz do único Lorde Sith de toda a Galáxia na primeira vez que empunha um sabre de luz.

E isso sem contar com o fato de que depois, em seu desfecho, ela derrota um Lorde Sith recém-recuperado e com décadas de experiência, apenas imitando o Tony em Vingadores- Ultimato, só que sem o desenvolvimento feito com maestria. E a história dela ainda termina no exato ponto em que começou, só mudando a geografia.

Veem a diferença? O erro não está no gênero, está sempre em como você a desenvolve dentro da trama.

 

Sei que só foquei em falar de personagens femininas, que deixei outros tópicos de lado... Mas eu queria focar em um ponto não tão fácil nem tão difícil para dar uma ideia do que quero dizer em relação a tudo em geral.

 

O receio em desagradar o público alvo acaba fazendo com que os autores/roteiristas escrevam personagens femininas e representativos em geral de maneira tão péssima que acaba concretizando o pensamento de que protagonistas femininas só são feitas para lacrar, que personagens negros e LGBTs são criados para cobrir cota, etc... Quando na verdade, só precisam largar esse medo de fazer um personagem passar pelo seu pior momento achando que isso faria o público alvo ver aquilo como um discurso de ódio em forma de história, o que não é o caso.

Isso tudo perpetua o lema quem não lacra, não lucra, e isso entristece...

Parte da jornada, tanto a nossa própria quanto a dos personagens, é o esforço que fazemos para superar os obstáculos. E isso não devia ser diferente para personagens femininas, negros, LGBTs, etc.

Meu conselho: se a história não for 100% sobre nisso, como aquelas que tem o preconceito como tema principal da trama, não defina os personagens pelas suas características, mas sim pelas suas ações, por quem eles são como pessoa.

E nunca facilite os obstáculos em uma história. Um personagem não pode se mostrar competente, inteligente ou esforçado se você emburrecer os outros ao redor dele (estou falando com você, Elizabeth Banks; o reboot d’As Panteras tinha potencial – até que gostei, mas ainda assim, podia ter sido melhor). Toda essa falta de esforço em fazer uma ótima história sendo preenchida com a glamourização de características que já deviam ter sido normalizadas há muito tempo – e acabam não sendo por venderem essas como algo avassalador – acaba dando a impressão de que personagens femininas, negros, LGBTs e de nacionalidades e culturas que não têm tanto destaque na cultura pop não servem para nada além de tentarem embarcar na onda do mesmo tradicionalismo que eles querem evitar para se promoverem.

Tudo bem você criar personagens que possam agradar etnias específicas que não tenham tanta visibilidade na mídia, desde que não os exponha a um ridículo desnecessário em prol de uma representatividade barata que só vai prejudicar a visão que a sociedade vai ter das mesmas – ou piorar a visão negativa que já existe. Pode ser que você não possa ter uma segunda chance com isso.

 

Boa parte de vocês não sabe, mas sou o autor do livro Asas de Sangue- Alianças, da qual vou falar um pouco agora, para que assim, quem sabe, vocês possam ter uma ideia de como fazer isso da melhor maneira possível:



        A premissa de Asas de Sangue é até simples: Jesus e o Anticristo voltam em um mundo em que anjos, bruxas e vampiros se preparam para enfrentarem demônios, lobisomens e anjos decaídos no Apocalipse, quando Lucifer vai finalmente poder sair do Inferno, e agora os dois lados do conflito têm um ano e meio para estarem prontos, formando alianças, resolvendo assuntos inacabados e providenciando locais para treinamento e planejamento estratégico.


Claro, a divisão não é absoluta, nada 8 ou 80, pois tem uma demônia, dois lobisomens e uma Matilha inteira aliados ao Céu, alguns anjos decaídos que ficaram neutros sobre o assunto, vampiros, um Coven inteiro e algumas bruxas independentes aliados ao Inferno, além de ter mocinhos que fazem coisas ruins e vilões que fazem coisas boas...

Enfim, não estou aqui para me gabar sobre o quanto sou criativo (mas sou mesmo).

Aliás, o livro está à venda no site da Editora Viseu nesse link (clicando em comprar agora, você adquire o exemplar físico pelo menor preço do momento): livro Asas de Sangue- Alianças.

Até esse momento, tem quase dez críticas/resenhas sobre o livro rondando a internet, todas elogiando, só criticando um ponto ou dois.

Sabem quantas vezes uma crítica/resenha já se referiu ao gênero, etnia, nacionalidade ou sexualidade dos meus personagens? Zero.

E olha que, de quase quarenta personagens, a grande maioria são mulheres, tem três lésbicas, duas mulheres trans, uma assexual, duas bissexuais, dois gays, nunca contei quantos personagens negros tem na história nem fico catalogando nacionalidade de personagem nenhum, e por aí vai.

Por quê? Porque, até o parágrafo acima, eu nunca tinha mencionado nada disso, apenas deixei uma pista de cada uma com o passar das páginas, para quem prestar atenção poder entender na hora (e talvez vocês mesmos possam deixar essas passarem despercebidas, ou não, já que agora sabem). Mas nenhum dos meus personagens é definido por isso, pois os arcos desses personagens não se tratam de quem são, é o que eles fazem que os define.

Assim como General Morte (personagem da capa logo acima) faz de tudo para se redimir pelo o que fez no passado que a consome, ao ponto de ela até esconder o próprio nome e ser chamada pela coisa que mais teme no mundo para isso, Lilith se culpa por ter abandonado a própria filha ainda bebê com uma família que depois a torturou, Carmilla quer redenção pela vida de assassinatos que ela tinha ter causado a morte da própria filha adotiva, Megara procura se curar do trauma causado pelo abuso psicológico que sofria do pai...

Pelo o que falei acima, dá para dizer qual é a etnia ou sexualidade de cada uma? Exatamente, porque não é isso que importa nas tramas delas. E vou escrever essa saga em seis livros sempre seguindo nessa linha não deixe as características deles os definirem.

Tem um método que sempre uso para saber se estou escrevendo algum arco direito: assim que termino de escrever, repasso todo o rascunho pela cabeça com o pensamento como isso ficaria se eu trocasse o gênero do personagem? Se a história ficar ridícula ou bizarra de qualquer forma, refaço tudo na base do faz de novo, faz direito.

Mesma coisa com a etnia e sexualidade dos personagens; se trocar essas características deixar as tramas desconexas, reescrevo até ficarem muito bem definidas. Pois saber escrever tanto a trama quanto os personagens de uma forma que agrade o público alvo, mas que também atraia certo interesse de quem for de fora é a chave para se fazer uma ótima história.

Sem estereótipos nem exageros, todo e qualquer personagem fica ótimo. Pensem nisso.

 

 

Aí estão as minhas redes sociais, caso queiram deixar o seu elogio, sua crítica, começar um debate, enfim:

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Twitter: @RodrickMarsMoon

 

Obrigado por virem ao meu TED Talk. Até mais.