Não é de hoje que ouvimos declarações como temos que valorizar a literatura brasileira e o brasileiro só valoriza o que vem de fora.
Quer dizer, não é tão antigo, mas ainda assim...
Quando alguém está lendo Crônicas de Gelo e Fogo, Harry Potter, Duna, entre outros, em público, aparece alguém para reclamar do simples fato de que não estão lendo um livro brasileiro, que as obras do autor tal são melhores, que isso é enlatado americano, coisa de gringo...
Mas já pararam para se perguntarem por que exatamente a literatura brasileira não tem o mesmo prestígio que a internacional, no que causou isso? Ou por que o povo brasileiro não tem o hábito de ler tanto quanto deveria...?
A resposta mais simples seria de que a culpa é nossa. Desde sempre, toda nossa.
Como se atreve?!!, alguns esbravejam... |
Como assim?, outros perguntam... |
Bem, é para isso
que estou aqui, para trazer um longo momento de reflexão para alguns – e dar
motivos para outros xingarem, porque é claro que vão, já estou contando com
isso...
Não tem como falar
dos problemas com a literatura nacional sem falar do que há de errado com o
brasileiro em si, então vamos começar por aí.
Agora, devemos começar? |
(só um aviso:
usarei exemplos não só de livros, como também de filmes e séries, para tornar a
leitura a mais rica possível)
Na infância a
gente é introduzido a conceitos que usamos para o resto da vida, como
interagir socialmente, e, claro, ao hábito de ler livros regularmente...
E é onde começa o
primeiro erro, se não a semente de todos os erros.
Quando ainda somos crianças, ainda temos a mente fresca, aberta as possibilidades que o mundo proporciona, e isso inclui os universos vastos que contém nas páginas dos livros, da qual continuamos o hábito de conhecer mundos e personagens, conceitos, mitologias, sistemas mágicos e tudo mais até o fim de nossas vidas.
Dos corredores de
Hogwarts ao deserto de Arrakis, dos terrenos da Sword & Cross aos reinos de
Westeros... É incrível como um livro e uma mente aberta podem proporcionar
emoções que vão do interesse a tensão, da desolação ao alívio sem sair do lugar,
apenas exercendo a imaginação com o passar das páginas...
E essa
oportunidade é tirada de nós logo quando a gente mais precisa.
Como? Pois bem,
como o incentivo à leitura, na grande maioria das vezes, não vem de casa, acaba
sendo nas escolas... E a leitura é introduzida lá com livros que limitam a
nossa visão aos mundos que nos interessariam em prol de algo que não devia
importar.
As escolas têm a
audácia de olharem nos olhos de alunos de entre 11 e 14 anos e dizerem que eles
têm a obrigação de começarem a conhecer a literatura com Dom Casmurro, Iracema...
E depois ficarem poxa, por que a juventude não se interessa pela literatura?
Deve ser porque, nessa idade, um tweet sobre o BBB é mais fácil de entender do que mais de 250 páginas sobre as paranoias aleatórias de um cara que está achando que está sendo traído, não é, meu filho?!!
São tiradas das
crianças a chance de acompanharem um semideus passar de uma criança que
derrotou o Minotauro por pura sorte para um adolescente que liderou uma guerra contra
o exército de Kronos, para as mesmas passarem eternidades tentando decifrar
frases como:
Tu hás realizado
doravante uma peripécia de natureza ominosa e detestável, portanto eu ei de
inclinar-me às bordas da insanidade, da cólera e da exasperação. Pois ei que te
digo: eis provocado a minha ira e lançarei mão de minha mansidão e
entregar-me-ei às chamas ardentes para que tu desfrutes de tamanha retribuição.
Eu, com 26 anos,
já me cansei só de reescrever esse mero trecho acima...
Agora imagina como
é para as crianças e pré-adolescentes de colegial que podiam estar devorando Percy
Jackson & Os Olimpianos e conversando sobre como o livro é melhor que o
filme (e é mesmo), no que a Névoa transformaria as ninfas e as dríades aos olhos
de quem não for um semideus... Mas estão tentando decifrar uma frase que literalmente
significa você cometeu um erro que me tirou do sério.
É estranho como as
pessoas tanto defendem que iniciemos a leitura em tão pouca idade com livros
que claramente não nos interessam naquele momento.
É como querer parar
um show da Taylor Swift no meio do Wildest Dreams (ou a Paula Fernandes no meio
de Traidor) pra tocar a versão original de Dies Irae, gritar valorizem esse
clássico, isso sim é música de verdade, seus merdas! e esperar que o público
não fique irritado e querendo que você saia do palco e deixe a Taylor/Paula
terminar de cantar a música dela.
Mas não tem nada a ver, seu vira-lata!!! Meu primeiro livro foi Dom Casmurro quando eu tinha oito anos e foi a melhor coisa da minha vida, então você tem a obrigação moral de—
Só cale a boca e me deixe falar! |
Uma, duas, cinco,
dez exceções não anulam milhões de casos iguais, e o mundo ao nosso redor comprova
isso.
Como você mesmo
diz, você gostou nessa idade, e está tudo bem. Mas isso não anula o fato
de que milhões e milhões de crianças tiveram o primeiro contato com a leitura
através desse e outros livros mais ou menos da mesma época, e que foi
exatamente por isso que eles criaram toda esse desgosto por livros.
Aah, mas você só
diz isso porque não entende a beleza das obras de Machado de Assis! Leu errado,
precisa ler de novo...!
Está bem, serei bem
direto aqui: ler um livro não devia ser como fazer a prova mais difícil da sua
vida. Pode até ser mais complicado para entender a mitologia, o sistema mágico,
o lore de uma saga, pontas soltas para tentar decifrar enquanto não
chega ao desfecho ou à sequência final, isso é sempre bem-vindo...
Mas a partir do
momento em que você quer impor que uma turma que não lê algo que não seja mais
longo do que tweets e títulos de notícias decifre coisas que já são difíceis
até para o adulto só para provar uma lealdade cega a algo que não devia ser
importante, você perde o seu argumento. E, por consequência, todos acabam
perdendo.
Os autores perdem
novos leitores, possíveis leitores perdem a chance de conhecerem mundos
fantásticos por causa do trauma de ter que lidar com esse tipo de leitura e
de leitores...
E fazendo isso,
você não está ajudando ninguém, só atrapalhando as pessoas que estão tentando fazer o que você quer, só que de uma maneira mil vezes melhor e mais atrativa.
E além do mais,
existem clássicos muito mais interessantes.
Aah, mas
antigamente a gente lia esses nas escolas e todos nós amávamos, ent—
Você acabou de anular
a sua própria questão: antigamente. ANTIGAMENTE as crianças liam isso e
amavam. Do mesmo jeito que mais para trás, as crianças não tinham nada além de
outros livros mais antigos ainda, que provavelmente VOCÊ considerava chato...
Certo?
Então, deixe o
passado no passado...!
É hora de deixar as coisas antigas morrerem. |
A gente precisa
introduzir a leitura na vida das crianças de hoje com livros que elas
vão amar, se apaixonar, desejar por mais, depois passar para outros gêneros
literários. Comecemos com algo que elas possam entender de primeira em tal
idade, com os mais recentes (sagas de dez, vinte, até trinta anos atrás, por
exemplo), para depois que crescerem, tiverem uma mente mais evoluída – na
medida do possível desse período em que vivemos –, aí sim passar para os tais
clássicos, quando já tiverem feito da leitura um hábito diário, um hobby.
Nãaao, Rodrigo!
Mas o que que é isso?! A gente tem que ensinar a valorizar os clássicos ainda
na infância sim...! E se depois elas não quiserem conhecer os clássicos porque
estão imersas nesses enlatados
gringos? Que horror...!
E achei que as minhas piadas que fossem ruins... |
Meu amigo... Tudo
bem você amar o clássico nacional, esfregar na cara em slow-motion ao
som de Linger, do The Cranberries (ou Mais Uma Vez, do Legião Urbana, caso não queira ser visto como o vira-lata da história) e depois dormir de conchinha, mas não
é legal você forçar na criança uma coisa que ela claramente não está pronta para
lidar!
E outra: para
essas crianças crescerem e, já adultos, preferirem ler Duna, Crônicas
Vampirescas, Crônicas de Gelo e Fogo, entre outros, ao invés de darem uma
chance para os clássicos que você tanto ama, talvez o problema não esteja exatamente
nessas pessoas.
Sabe a frase coisa
tal é boa, os fãs que são o problema? Então...
E o que acontece?
Elas criam uma repulsa intensa pela leitura, e crescem achando que ler é chato,
botando a culpa em coisas bestas, como os preços dos livros, ou usando a falta
de tempo (que sempre têm de sobra) como desculpa para nunca começarem a
desenvolver o hábito de ler livros regularmente, e terão filhos da qual não
pegarão o hábito de ler em casa e vão recorrer às escolas, que vão fazê-los
passar por esse mesmo processo, e por aí vai.
E assim, estamos todos conectados nesse grande Ciclo da Vida. |
Acho que o único
clássico nacional que talvez daria para recomendar pra ler nas escolas mais ou
menos nessa idade seria... A Terra dos Meninos Pelados.
AAH, VOCÊ ESTÁ QUERENDO RECOMENDAR PEDOFILIA GAY PARA AS CRIANÇAS, SEU NOJENTO!!! |
Pare. Vai se tratar. |
Se acalmem, não é
o que estão pensando; respirem fundo, bebam uma água... Tem até gelo, já...
Pronto, agora que já se acalmaram, me deixem explicar:
Lembro de ter lido
esse quando eu tinha sete ou oito anos, eu tinha acabado de ler Harry Potter e O
Cálice de Fogo e vi esse livreto na prateleira daqui de casa. Como ainda não
havia lançado A Ordem da Fênix aqui no Brasil, na época, decidi pegar esse para
ler.
Até onde lembro,
era sobre um garotinho que era rejeitado por quase todo mundo que o
conhecia por ele ser careca e ter
heterocromia (procure saber mais sobre antes de querer tirar conclusões precipitadas), e,
para não se sentir mais tão solitário, idealiza todo um mundo na mente dele da
qual ele é aceito por todos, já que todos têm as mesmas características que ele.
Lembro de ter gostado desse, na época.
(cuidado, a última
parte acima pode ser distorcida para ser usada contra mim, futuramente –
sabemos como o povo funciona, vamos ficar de olho)
A edição que eu tinha em casa... |
Viram? Livro
nacional, conheci na idade certa para ter o meu primeiro contato com o mesmo...
O problema não está na nacionalidade do livro, mas sim em qual você usa para
apresentar a uma criança. Do mesmo jeito que uma criança vai criar desgosto se começar
com Duna ou Senhor dos Anéis (guardem os seus me deu sono, eu dormi para
quem se quiser saber do seu deboche) nessa idade. São leituras complicadas,
nada atrativas para quem está começando agora a conhecer a literatura.
E os leitores
precisam desse tipo de escapismo em histórias ainda na infância para depois não
virarem adultos viciados em acreditar que histórias só devem ser escapistas,
sem nenhuma camada de crítica social, abordagem política, nada – mesmo que as
melhores histórias tenham esse fundo mais realista em suas tramas. E, claro,
viciadas na própria realidade (mas isso é assunto para lá mais para frente).
E falando em
realidade...
Agora chegamos na
famosa polêmica de se o autor deve ou não escrever um livro se passando em New
York, Londres ou Paris ao invés de em Jaraguá do Sul, Montes Claros,
Goiânia...
Aliás, até mesmo
escrever histórias se passando no Brasil gera uma polêmica desnecessária,
porque Deus nos livre de escrever histórias se passando no Rio de Janeiro ou em
São Paulo, não é? O país é mais do que isso, dizem pela internet afora...
Sempre que um
autor brasileiro decide que a sua história se passará no exterior ou nas
cidades mais famosas do brasil, chove uma saraivada de críticas e até ódio
genuíno em cima disso porque mas tem que valorizar a cultura do Brasil
inteeeiro, falar da Amazônia, das dificuldades do pobre brasileiro, que não
sei o que...!
E é aqui que entra outro problema, e que piora a situação da literatura nacional, afetando até o entretenimento como um todo: essa obsessão do brasileiro em querer ser representado a todo custo e a todo momento. Se algo brasileiro ganha um segundo de fama no exterior, o povo já fica obcecado por esse breve momento de atenção, se comove, enaltece como se aquilo fosse a cura para todos os problemas do universo e mais além, fala que aquela coisa está sendo reconhecida, como aquilo deve ser visto como algo perfeito pelo simples fato de vir do Brasil e estar sendo mencionado no exterior...
Lembrando que ainda não estou falando de representatividade, então deixem os cancela ele! para o dia que eu cometer um erro tão grave que precise chegar nesse ponto.
Mas esse dia não é hoje! |
(update: publiquei uma matéria sobre inclusão e representatividade na cultura pop chamada Inclusão vs Lacração- A Origem da Polêmica; clique nesse link para lê-lo)
Tudo isso,
mesclado com o fato de que boa parte dos livros mais vendidos no Brasil são de
autoajuda e biografias de youtubers que claramente não viveram o
suficiente para ter toda uma história para contar em um livro faz com que o
nosso subconsciente veja não só a literatura, mas a cultura brasileira em
geral, mais como um ato de desespero por atenção e aprovação do que de deixar um
nome na arte, uma marca na literatura, de forma saudável, da qual será vista e
lembrada por milhões nas próximas décadas.
Para verem que não é exagero... |
E para finalizar:
os autores brasileiros não têm obrigação nenhuma de abordar única e
exclusivamente o nosso país só porque nasceram no mesmo.
Aliás, as pessoas não têm que querer ditar o que eles colocam nos livros. Assim como o cinema, a literatura é arte, e a arte não é uma coisa que quem não entende nada do assunto pode simplesmente chegar e ditar como deve ser. Deixem os livros para os autores escreverem em paz, desde que não estejam discriminando algum grupo que esteja realmente sofrendo preconceito, estereotipando e tudo mais, e depois a gente vê se os livros que escreveram ficaram bons ou não.
E falando no assunto...
Esquadrão Wattpad
É isso, vão me cancelar...
Eles estão vindo. |
Mas antes,
mantenham a mente aberta e tentem entender o que estou querendo dizer.
Wattpad chegou
como uma ferramenta útil, que dá visibilidade para autores que não têm condições
de fazer uma publicação oficial de seus livros, ou que queira dar um gostinho
do mesmo enquanto suas obras não são publicadas em editoras sérias devido ao
excesso de obras que recebem todo dia...
Mas é aí que mora
parte do problema.
Na publicação tradicional
tem aquele filtro, em que o editor, o editor-chefe e até o revisor
avaliam a história, a trama, personagens, tudo, para ver se o livro é apto para
ser publicado, certo? Então, nesse meio, pouquíssimos livros realmente ruins acabam
passando batido para serem publicados oficialmente, o que torna o mercado
literário até que variável e de maioria decente, fazendo a diversidade
literária se destacar em vários pontos...
Já no Wattpad não.
Lá, o que começou como um ótimo auxílio para potenciais best-sellers,
virou uma Terra de Ninguém, onde publicam o que quiserem, sem uma revisão
adequada, um leitor beta que realmente entenda do assunto e possa ajudar na
qualidade da escrita, filtro editorial, nada... E isso acabou mostrando
uns pontos bem preocupantes sobre a sociedade em geral: boa parte dos autores
de Wattpad parecem só escreverem sobre relacionamentos abusivos sendo abordados
como um simples amor dolorido. Direto.
Mostra que muitos
só veem amor em abuso emocional e psicológico (até físico, dependendo da
história) e expressam isso sem o menor cuidado e planejamento em seus livros
como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Os que não sabem
dar profundidade aos personagens ou para a trama são os de menos; histórias
mais rasas podem ser boas se forem bem feitas.
Quer dizer, há
histórias realmente boas postadas lá, mas acabam não tendo a mesma
visibilidade que as da Geração Cinquenta Tons de Crepúsculo. E isso pode acabar
dando a impressão, para quem já pegou desgosto pela leitura, de que a
literatura é uma baderna, que qualquer um pode chegar e escrever
qualquer coisa sem o menor cuidado, que vai poder ser lido por todo mundo. E
isso afasta possíveis novos leitores mais ainda.
Consigo contar nos
dedos de uma mão quantas histórias realmente boas foram publicadas
exclusivamente por lá.
Cheguei a ler um
texto, da qual agora não lembro bem onde vi, que falava exatamente isso, sobre
como histórias boas não ganham muito destaque no Wattpad, enquanto histórias de
relacionamentos abusivos, às vezes até de extremos (escritos, em alguns
casos, por PRÉ-ADOLESCENTES), com mais erros de digitação que
uma conversa do Orkut/MSN de meados dos anos 2000 ganham uma fama absurda.
Parece que o
Wattpad, que começou com boas intenções, de ajudar autores com menos condições
a realizarem os seus sonhos, acabou se tornando um lugar que as pessoas expõem
como as suas mentes funcionam, cenários de mundos perfeitos que
transbordam nas mentes de quem escreve e se misturam pelo mundo afora como
diários. É quase como se as editoras fossem os terapeutas e o Wattpad o coach
quântico da literatura.
Sério, boa parte
dos autores que postam esse tipo de história lá estão precisando de terapia
urgente. Para ontem. Ou talvez só uma orientação básica mesmo, dependendo.
Aah, nada a ver,
você falar isso! Eu tenho condição de publicar em uma editora tradicional, mas
preferi no Wattpad mesmo, que não quer que eu mude nada no que fiz! Se fui eu
que escrevi e acho que está perfeito, então está perfeito sim!!! Minha opinião!!!
...editoras
filtram livros aptos para publicação por uma razão. Eles não são o inimigo; o
ego e a falta de autocrítica e cuidado de muitos autores por aí sim.
Para finalizar: não
estou falando que ninguém pode postar nada on-line nem que o Wattpad é menos
importante por não ser uma editora formal, mas sim que se for escrever para
publicação independente, faça direito; que devemos ter cuidado em como abordamos
certos temas em livros, para a literatura não deixar de ser levada a sério. E
se for o caso, pergunte para quem entenda do assunto, procure saber das coisas
antes de falar sobre, para não acabar prejudicando ninguém. Não é cagar
regra, é ter bom senso e noção.
Histórias Fantásticas e Os Crimes da Sociedade
Bem, agora
chegamos as consequências que a literatura sofre nas mãos da sociedade depois
de tudo que abordei até aqui:
E o que tudo que
falei causa, exatamente?
Lembra de quando
falei sobre as crianças precisarem ler livros agradáveis para não se tornarem
adultos viciados na própria realidade? Então... Esse tipo de raciocínio sai da
literatura e é passado para outras partes da cultura (e da vida também, mas aí
é tema para uma outra matéria que tenho em mente para o futuro) como um todo,
criando todo um público que reclama quando um filme, série tem uma abordagem um
pouco mais imprevisível ou realista no plot ou nos arcos de personagens,
dependendo; que dão chiliques e ameaçam parar de acompanhar uma história se
personagem A ou B morrer (ou querem que ressuscitem do nada porque eu quero!)
e se o casalzinho que eles shippam não ficar junto, que resmunga quando
uma saga não para toda a premissa que prometeu no início para focar 100% em um
romance entre dois personagens só porque colocaram na cabeça que eles têm que
ficar juntos, mesmo que não tenha nenhuma relevância ou coerência para o plot
como um todo... Que se entopem de ódio quando uma história não é todinha do
jeito que querem, e depois reclamam do mesmo jeito quando a sequência da mesma
faz tudo exatamente como queriam, ao invés de perceberem que o que eles querem
muito raramente é o que a história precisa...
Lembrando que, da
última vez que ouviram um público que teve essas reações, o final de uma saga
de 42 anos foi estragada em prol de shipps e clichês que tanto pedem
para depois reclamarem sobre... E antes disso, um filme foi todo refeito nos
moldes do que o público queria porque o anterior era sombrio demais, uma
das sequências foi mutilada para se adequar, de novo, às vontades do público,
e levou quase três anos de campanha para finalmente termos a chance de ver o
potencial que o mesmo tem a oferecer. E, claro, não era a nossa primeira vez
nisso, pois nunca aprendemos. Até porque um dos maiores desafios da humanidade
é saber sobre um assunto o suficiente para achar que está certo, mas não para
saber que está errado, e estamos longe de superar isso...
Tirar a
oportunidade de dar asas à imaginação de alguém enquanto a mente ainda está
fértil debilita não só a pessoa, como também a sociedade em geral.
Pois essa falta de
uma leitura agradável na infância torna o público tão quebrado que, na
fase adulta, eles mesmos não percebem que, em boa parte das vezes, não tem nada
de errado nas histórias que acompanham; só na percepção deles sobre como as
mesmas devem ser feitas. A falta dessa dose de liberdade individual na infância
cria uma obsessão por controle na fase adulta. E, por muitas vezes, o
entretenimento em geral acaba sendo afetado por isso, como os exemplos que usei
ao longo dessa matéria.
Aliás, só o
impacto negativo que isso tem na sociedade em si afetam tantos aspectos que dá
para fazer uma matéria inteira só falando nisso...
E mesmo que possam
começar a ler, o trauma de terem sido obrigados a decifrar enigmas impossíveis
em forma de livros quando não estavam prontos para isso os mantém afastados de
vez disso.
Aah, mas livro é muito
caro...!
Lançamentos de
livros sempre custaram mais ou menos 40 reais. Mas existem sebos que vendem
edições usadas por menos da metade disso, livrarias e lojas têm períodos de
desconto todo ano, você com certeza tem amigos que leem e que podem estar dispostos
a te emprestar algum livro interessante para começar, você pode, em parcelas, comprar um
Kindle, onde dá para comprar livros digitais por até 15 reais, entope a memória com mais de mil livros para ler sem encher a prateleira (nada substitui uma parede com
prateleiras cheias de livros, mas um Kindle, em questões como essa, acaba sendo
muito útil)... Oportunidades para começar não faltam.
Aah, mas não tenho
tempo para ler...!
Sim, você tem.
Todos têm um tempinho livre no dia a dia. Você tem duas horas de almoço no
trabalho para ler um capítulo enquanto se alimenta e descansa, dá para ler mais
um durante a locomoção trabalho/casa e vice-versa, se puder... Nos finais de
semana e nas folgas, você tira uma hora ou duas para ler mais capítulos...
Mesma coisa com
faculdade, estágio, etc. Aproveita um tempo livre ou dois para ler mais um
pouco.
Se ir lendo de
pouco a pouco todo dia, dependendo do livro, você termina em até um mês, mais
ou menos. E aí vai conseguindo ler cada vez mais rápido, a ponto de, na mesma
rotina, estar lendo um livro por semana, até.
Aah, não gostei
desse, é difícil, não estou conseguindo acompanhar a história...!
Não tem problema,
tenta outro. Procura um mais curto, mais simples, até achar um que goste e te
faça engatar de vez na leitura.
Agora,
se conseguirmos fazer um ou outro começar a ler livros depois de adulto, é
ótimo... Mas só a curto prazo. A longo prazo, ainda estão fazendo crianças se
submeterem a livros da qual elas não estão prontas para ler, fazendo a gente
ter que usar esses métodos; estamos apenas remediando os sintomas, mas não a
doença.
E
é aí que voltamos à questão do incentivo à leitura...
A Emancipação Fantabulosa da Literatura
Acho
que não tem mais o que dizer sobre, então...
A
literatura nacional tem salvação? Bem... Sim... Mas não para agora.
Espere aí. Essa operação toda foi ideia sua. |
Eu
sei, vou chegar lá.
Depois
que tudo que falei, vemos que, convenhamos, a nossa geração está quebrada
demais, culturalmente falando, para podermos nos adequar de vez às soluções
definitivas para que o hábito de leitura se torne uma parte fixa de nossa
cultura, tão natural quanto um Avatar dobrando os quatro elementos. Há coisas
que não se resolvem da noite para o dia – pensem nisso quando forem olhar para os
seus próprios problemas.
Mas
podemos plantar hoje as sementes que, futuramente, farão com que as próximas
gerações possam desfrutar do que deixamos, pois devemos preparar o mundo para
quem virá depois, não para nós mesmos – de uns anos para cá, vemos exatamente
no que isso se resulta.
Comecemos
pelas escolas: deixem. Os clássicos. Para depois!
Os
professores podem escolher três livros, escrever no quadro sobre o que cada um
se trata e deixar que os próprios alunos escolham qual eles querem fazer um
trabalho/resumo sobre – mas que eles vão realmente gostar; não vão escolher
entre os que levam um parágrafo inteiro sem necessidade para narrar algo que
pode ser feito em duas linhas.
Se
eu pudesse recomendar algo para as crianças lerem nas escolas... A trilogia
Fronteiras do Universo é perfeita para isso.
Tem
uma protagonista criança bem escrita, toda uma mitologia empolgante, uma premissa
maravilhosa, vilões muito bem feitos (pois uma história só é tão boa quanto o
vilão, se errar nisso, nada resolve – faz de novo, faz direito), o
desenrolar da trama é instigante, tem obstáculos para a protagonista Lyra superar
que não subestimam a inteligência do leitor (mas também não o trata como se
tivesse nascido em 1800)...
Aliás, a trilogia está sendo muito bem adaptada para a série His Dark Materials, respeitando o tom e o conteúdo dos livros, e ainda trazendo elementos novos só para a adaptação que não deturpam a obra original (assista o trailer aqui).
E
ainda tem um urso polar que fala e usa armadura 😍!!! Difícil não se empolgar com
uma coisa dessas!
Com
essa, as crianças vão poder ler, realmente amar e, de brinde, desenvolvem
pensamento crítico, com a abordagens que essa história tem com um assunto ou
dois. Afinal, é o básico para se tornarem adultos responsáveis no futuro,
certo?
(e o fato de você, nesse momento, estar bufando só em imaginar isso acontecendo mostra o quanto estamos realmente quebrados, passando para frente a tal obsessão por controle que falei há uns parágrafos como se fosse uma necessidade)
E
O Pequeno Príncipe. Aí está um clássico para apresentar ainda na infância, caso
o título do que falei anteriormente ainda te deixar receoso.
E
aí, no ensino médio, passar para livros um pouco mais maduros, como O Diário de
Anne Frank, A Traição de Natalie Hargrove, O Cavaleiro dos Sete Reinos, etc...
Aah,
mas você não está recomendando nenhum livro nacional!!! CADÊ OS LIVROS
BRASILEIROS NAS SUAS RECOMENDAÇÕES, HEIN?!! VOCÊ TEM QUE VALORIZ—
Mantenha as suas emoções sob controle! |
Vamos
relembrar duas coisas que falei parágrafos atrás:
Primeiramente,
a nacionalidade dos livros não importa, o importante é que sejam interessantes
o suficiente para que façam crianças e adolescentes se apaixonarem pelo hábito
de ler e aí sim passarem para os clássicos por conta própria...
E
segundo, essa obsessão em querer ser representado a todo custo só por ser brasileiro...
Precisa acabar. Chega. Para. Isso afasta as pessoas de se interessarem por
nossas obras, pois a gente sente o desespero nas pessoas.
Sabe
quando você está perdido em uma rua a noite e pergunta para alguém onde fica
certo lugar, esse alguém diz que também está indo para lá e que vocês podem ir juntos,
mas você nota um tom de ansiedade nessa oferta que te deixa com uma
sensação ruim, um receio de continuar perto dele?
Exatamente,
essa lógica também pode se aplicar a isso. Ninguém vai ler o seu livro se você
ficar olha, é brasileiro, hein!; o seu desespero em ser representado só
por ser brasileiro deixa um gosto ruim na boca de quem podia ser o seu público
frequente.
Conquiste-os
pelas suas obras serem boas. Ponto. Você não é o Príncipe Zuko da primeira
temporada para ser tão obcecado em uma honra que só existe em sua mente.
Precisam
abandonar essa necessidade por atenção e aprovação, sair desse relacionamento
abusivo que têm com vocês mesmos, de clamar por melhoras e depois se sabotar e
culpar os outros pela situação não ter melhorado.
É
um caminho tortuoso, ser escritor no Brasil? Sim, claro, ainda vivencio o quão difícil isso é... Mas agir no desespero não resolve
nada. Foque nas soluções, que um dia as falhas se perderão no tempo, como
lágrimas na chuva.
Já
sobre os clássicos nacionais, deixem esse para serem obrigatórios só nas faculdades
mesmo, e, claro, disponíveis por aí para quem quiser ler. Só, de novo, não
forcem em crianças que depois vão ficar com raiva de livros (e de você) por conta
disso.
Enquanto
na literatura nacional em si, nós, autores, podemos começar a focar em escrever
e publicar histórias que sejam realmente instigantes e menos em agir como os War Boys de Mad Max- Estrada da Fúria para promovê-las; tentem se inspirar em
obras um pouco mais recentes e que sejam realmente atraentes ao público atual
(desde que não sejam aquelas modinhas passageiras da qual darão vergonha anos
depois), para que os nossos livros de hoje se tornem os clássicos de amanhã.
E
vamos parar com esse papo de síndrome de vira-lata! Está tudo bem
aceitar que há falhas da nossa cultura e que podemos nos inspirar em outras
culturas incríveis para melhorarmos a nossa própria. Enfim, não vou entrar nesse assunto,
de tão irrelevante que isso é.
Como
falei antes, não dá para resolver os problemas da literatura sem também resolver
os do povo brasileiro como um todo... Quer dizer, se não estivermos dispostos a
melhorar isso, nada mais vai melhorar, mas isso já é assunto para outra hora...
Vamos
fazer a nossa parte para que a leitura se torne um hábito no Brasil, trazendo
melhoras à sociedade como um todo. Combinado? Então está bem...!
Ótimo. Então é um encontro. |
Aí
estão as minhas redes sociais, caso queiram deixar o seu elogio, sua crítica,
enfim:
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Obrigado
por virem ao meu TED Talk. Até mais.